terça-feira, 2 de agosto de 2016

Consumidores são presos por fraudes em ações contra empresas


Consumidores e advogados do Rio de Janeiro têm sido multados e até presos por fraudar processos contra empresas nos Juizados Especiais. Na maioria dos casos, o autor da ação "fabricava" o dano para lucrar com as indenizações por danos materiais e morais. Os golpes atingem as principais redes varejistas do país, além de bancos e operadoras de telefonia.

Em uma dessas situações, um falso consumidor fez compras em lojas virtuais de redes varejistas por 14 vezes para alegar nas ações que os produtos não haviam sido entregues. Ele usava grafias do nome, sobrenomes e CPFs diferentes e como prova do pagamento apresentava boleto com autenticação mecânica falsa da Caixa Econômica Federal.

Algumas companhias chegaram a ser condenadas, na audiência de instrução, ao valor supostamente pago pelo produto (uma televisão de R$ 15 mil), além de R$ 2 mil por danos morais. Depois de descoberta a fraude, as decisões foram reformadas.

Outra situação descoberta envolvia o advogado do falso consumidor. Ele aparecia como autor de cinco ações idênticas as do cliente. A prática era a mesma em todos os processos. E ele teria ainda auxiliado outros consumidores, com quem tinha "estreita relação de amizade". Nas redes sociais havia fotografias do profissional com as partes comemorando "vitória expressiva" na Justiça.

"Temos noticiado pelo menos uma fraude a cada semana", afirma o juiz Flávio Citro, que atua na 1ª Turma Recursal e coordena um grupo de trabalho do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que tem por objetivo investigar fraudes em processos.

O grupo, que iniciou suas atividades em maio, é o primeiro do país a combater o que chamam de "demandas artificiais". Já são dez casos descobertos em pouco mais de 60 dias de trabalho. A principal função é monitorar os processos que entram nos Juizados Especiais Cíveis (JEC) – onde correm 80% das demandas de consumidores.

Duas pessoas tiveram decretada a prisão em flagrante e consumidores condenados por litigância de má-fé. Eles tiveram que pagar honorários dos advogados da parte contrária e multa de 10% sobre o valor da causa. Já os advogados envolvidos nas fraudes têm sido denunciados ao Ministério Público e à OAB – que pode suspender o direito ao exercício profissional.

Em uma das maiores fraudes detectadas, um único consumidor moveu mais de 300 ações contra bancos e operadoras de telefonia. Ele falsificava comprovantes de residência e modificava o nome.

O esquema foi descoberto em uma ação contra o Banco do Brasil, proposta pelo suposto consumidor no 1º Juizado Especial Cível de Niterói. Ele afirmou que teve uma compra com o cartão do banco não autorizada mesmo tendo crédito. Em função disso, pedia indenização por danos morais.

A juíza da ação, Claudia Monteiro Albuquerque, condenou o consumidor por litigância de má-fé e determinou a prisão em flagrante. Ela aplicou o artigo 304 do Código Penal, por apresentação de documento falso em processo judicial. "Em quase todas as ações há a inclusão de documento falso visando alteração de competência", afirmou a magistrada na decisão. "As demandas, em regra, versam sobre os mesmos fatos. O autor possui linha de todas as operadoras e conta em diversos bancos, diversificando os réus, mas narrando fatos semelhantes de supostas falhas."

Companhias aéreas também não escaparam das tentativas de fraude. Um advogado foi preso em flagrante durante audiência no 4º Juizado Especial Cível do Rio por falsos casos de furto de bagagem. Ele pedia danos morais em três processos diferentes – para clientes e para ele próprio. Uma das empresas já havia sido condenada ao pagamento de R$ 12,5 mil quando o esquema foi descoberto.

O advogado sustentava, nos casos, violação de bagagem e furto de um relógio rolex, um celular e um computador. Ele usava as mesmas notas fiscais dos produtos para reclamar o furto contra as diferentes companhias. O documento foi usado tanto no processo em que aparecia como autor como nas ações de clientes.

Especialistas atribuem o alto índice de fraudes de consumidores a dois fatos: ao período de crise, propício à busca por receita, e ao que chamam de "indústria do dano moral". O Rio é considerado como um Estado crítico de demandas de consumo. Tanto que a advogada de uma das principais redes de varejo do país, que prefere não se identificar, afirma que a empresa chegou a pensar em parar de vender aos consumidores do local.

"Seria uma atitude drástica. Mas, diante do cenário, chegamos a cogitar. A maioria dos problemas de consumidores está no Rio de Janeiro. E isso acontece com qualquer empresa que comercializa no Estado", diz a advogada.

As demandas dos consumidores estão no topo da lista dos assuntos mais recorrentes do TJ-RJ, segundo o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). São quase 700 mil processos desse tipo. Enquanto em São Paulo, o Estado do país que mais consome, por exemplo, são 500 mil.

Para o especialista na área, Ricardo Motta, sócio do Viseu Advogados, é preciso entender os motivos que levaram a essa situação. Ele destaca três pontos: a celeridade do Judiciário fluminense – o tempo médio de duração dos processos é menor do que na maioria dos Estados -, os altos valores de indenização que, no passado, eram concedidos pelos juízes e a facilidade de acesso à Justiça. Nos Juizados Especiais os consumidores não precisam arcar com as custas processuais e o ônus da prova é da empresa – que deve provar que não causou o dano alegado.

"Isso atraiu uma quantidade enorme de descontentes com produtos e serviços contratados. E, no meio deles, começaram a aparecer as fraudes. Pessoas que acharam uma brecha para lucrar por meio das demandas judiciais", observa o advogado.

Flávio Citro, coordenador do grupo antifraude do TJ-RJ, enfatiza, porém, que as empresas têm parcela de culpa. Principalmente porque, segundo ele, passaram muito tempo sem resolver as demandas dos consumidores. "Os juízes ficam numa situação delicada. Existe o receio de, com a aplicação do dano moral, incentivar as demandas de consumo. Por outro lado, as empresas não resolvem os problemas de seus clientes", diz.

O magistrado afirma que muitas companhias, ainda hoje, não se defendem de forma adequada nos processos. "Apresentam um capítulo inteiro sobre dano moral, com mais de dez páginas, mas não falam do caso concreto", diz. "O juiz não tem bola de cristal. Fica impossível decidir contra o consumidor diante de um fato grave e em que há uma defesa genérica da empresa", afirma o magistrado.

Fonte: Valor

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