segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

R$ 800 mi de prejuízo com ruptura ao mês

De um lado a indústria precisa repassar aumentos de custos. De outro, o varejo procura conter os reajustes. Entre uma ponta e outra, decisões equivocadas elevaram a ruptura e perda de vendas


Negociações mais tensas, agravadas pela crise econômica, têm se tornado cada vez mais comuns nos últimos tempos. De um lado as indústrias tentam repassar os aumentos nos custos de insumos e matérias-primas, sem oferecer contrapartidas. De outro, os supermercados precisam controlar despesas para evitar queda na lucratividade e manter saudável o caixa da empresa. Nessa tentativa, os varejistas seguram pedidos, reduzem quantidades de compras e tentam ampliar prazo de pagamento. A falta de diálogo e de maior flexibilidade entre os dois lados está levando ao aumento da ruptura e, consequentemente, a grandes prejuízos. Estudo da Neogrid com a Nielsen aponta que o índice de falta de produtos atingiu 11,4% em setembro, contra a média de 8%. Isso significa que os supermercados deixaram de vender R$ 800 milhões no período. Se as negociações não voltarem ao seu ciclo normal, o valor poderá alcançar R$ 9,6 bilhões (num cálculo simplista) em um ano.


Um primeiro passo para solucionar o problema é trabalhar com transparência e em parceria. "Isso facilita chegar a acordos que beneficiarão todos, inclusive o consumidor", diz Hugues Godefroy, diretor da Polenghi. Ele acredita que a indústria precisa explicar o que tem impulsionado o reajuste da tabela de preços, além de oferecer propostas e soluções. Já os supermercadistas devem alertar os fornecedores sobre o risco de encalhe de produtos nas lojas. "Deve ter atenção também com devoluções e demanda por verbas, que em nada ajudam nesta situação", diz Robson Munhoz, diretor da Neogrid. O executivo lembra que o varejo tem papel importante na contenção da inflação que deve ser cumprido.

Confira as principais decisões tomadas pelos supermercados e a recomendação dos especialistas.

Segurar pedidos 
Algumas indústrias chegaram a promover quatro reajustes em suas tabelas de preço de janeiro a novembro deste ano. Em certos produtos, os aumentos acumularam 25%. Há redes que aceitam as mudanças de valores, mas boa parte recusa e acaba segurando pedidos. "Além de ruptura nas gôndolas, essa reação provoca excesso de estoque no CD dos fabricantes", explica Hugues Godefroy, da Polenghi. Comenta-se no mercado casos de supermercados que ficaram mais de cinco meses sem realizar pedidos devido à dificuldade de obter contrapartidas, como incentivos à venda ao consumidor final, entre outros.

Recomendação
A queda na renda do consumidor dificulta aos supermercados aceitar os reajustes. Por isso, a recomendação é negociar com fornecedores alternativas de repasses e ativações nas lojas, por exemplo. Se não chegar a acordo nenhum e o varejista sentir-se obrigado a suspender a compra, o ideal é ampliar a parceria com outro fabricante para evitar a ruptura, afirma Frederico Perdigão, consultor do Instituto Áquila. Escalonar os aumentos é outra saída. A rede Carvalho, 46 lojas no Piauí, negocia para que eles ocorram em duas vezes, mesma periodicidade dos reajustes ao consumidor. A ideia é evitar uma variação brusca no preço final, o que inibe o consumo. Há casos de fornecedores, como a Cepêra, que comunicam a alta com antecedência de alguns meses. Com isso, o varejo pode antecipar os pedidos e aproveitar a tabela antiga.



Elevar intervalo entre os pedidos 
Ampliar prazo de pagamento é outra frente adotada pelos supermercados. Mas não é fácil chegar a um acordo com os fornecedores. Décio da Costa Filho, presidente da Cepêra, explica que normalmente a indústria já pagou os insumos com preço reajustado e precisa recompor caixa ou quitar empréstimos. O varejista então eleva o intervalo dos pedidos para espaçar o pagamento. Mas se esquece de recalcular a compra, o que leva à ruptura, além de não se beneficiar com descontos pela alta do volume.

Recomendação
Para aceitar um prazo de pagamento mais elástico, os fornecedores impõem algumas condições, como trabalhar com portfólio quase completo e elevar o volume de compra. Cabe ao supermercado avaliar até onde pode avançar. A rede Carvalho, por exemplo, só aceita aumentar a quantidade de mercadorias do pedido em, no máximo 10%. "E mesmo assim em categorias de alto giro ou que estejam com campanha na mídia, pois apresentam bom potencial de vendas", afirma Paulo Cesar Cardoso, coordenador de compras da empresa. Com isso, a rede elevou para 90 dias alguns pagamentos sem prejudicar os fornecedores ou os seus próprios negócios.



Rever volume 
Para manter sua cesta de compras, os consumidores têm mudado hábitos. Mas, ao contrário de crises anteriores, suas escolhas estão mais complexas. Ora migram para marcas baratas, ora reduzem quantidade, ora mantêm itens de maior valor. O problema é que muitos varejistas ignoram as nuances desse comportamento e diminuem as compras de produtos mais caros. A ideia é evitar que fiquem parados nas gôndolas e nos estoques. Mas, em contrapartida, aumentam a compra de itens básicos e de menor margem para competir com atacarejos. Além de não conseguir enfrentar o canal, a medida acarreta perda de rentabilidade.

Recomendação
De fato, a crise exige um ajuste no volume de compras. Mas, para fazer as mudanças corretas, é preciso analisar, em cada loja, o histórico de vendas dos SKUs, a sazonalidade, entre outros indicadores, além de identificar mudanças no comportamento dos clientes. Os especialistas ressaltam a importância de analisar esses fatores de maneira combinada, para evitar conclusões equivocadas devido a problemas de estoque virtual, por exemplo. Frederico Perdigão, do Instituto Áquila, enfatiza que, mesmo durante a crise, diversos itens importados e premium apresentaram alta nas vendas. "É uma forma de autorrecompensa do brasileiro por estar cortando despesas mais elevadas", explica. Para manter as lojas abastecidas, ele recomenda que o varejista negocie menor intervalo de entregas com os fornecedores.



Reduzir estoque 
Outro comportamento do supermercadista tem sido diminuir os estoques para "proteger" o caixa. Mas é preciso tomar cuidado para não exagerar no corte. Há casos de lojas que têm trabalhado com menos de 20 dias de estoque, quando o nível mais indicado é de 25 a 30. Também nessa situação o supermercadista deixa de analisar indicadores que apontem quais são as reais necessidades do consumidor e, por consequência, do negócio. Para Hugues Godefroy, da Polenghi, como a cadeia logística ainda é deficiente, o prejuízo causado pela ruptura é maior do que os ganhos de reduzir estoque.

Recomendação
Para garantir resultado, a diminuição do estoque deve ser feita em conjunto com uma boa gestão do sortimento. Dessa forma, é possível identificar, por exemplo, oportunidades como negociar com um fornecedor que venda itens da curva A e B a mesma periodicidade de entrega. Com isso, o supermercado reduz o armazenamento de produtos com menor giro, que passam a ser entregues com maior frequência e em menor quantidade. Também é importante melhorar os processos logísticos para evitar atraso nas entregas às lojas e o reabastecimento das gôndolas. Ao reduzir o estoque, o varejista ainda deve avaliar sua distância das fábricas e das centrais de distribuição dos fornecedores para calibrar as quantidades.



Ruptura cresceu devido a embates nas negociações


11,4% foi a ruptura em setembro, contra 8% da média histórica
19% crescimento do prejuízo causado pela falta de produtos
10,9% é a ruptura em alimentos e 10,3% em higiene*
29% deixaram de comprar de fornecedores que querem reajustees preços**
53% reduziram estoque para cortar custo**

Fonte: Neogrid/Nielsen - Dados de setembro 2015 x agosto 2015 * Dados de outubro 2014 a julho 2015 
*Sondagem Portal SM (novembro/2015)
http://www.sm.com.br

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